O último encontro de Pelé e Garrincha
No início dos anos 1980, PLACAR promoveu uma conversa de Pelé com Garrincha, parceiro nas Copas de 1958, 1962 e 1966. O papo teve direito a música e lembranças, como escreveram Lemyr Martins e Hideki Takizawa
Foi um reencontro comovente. Quando se viu diante de Mané, Pelé abriu um sorriso largo, estendeu os braços musculosos e enlaçou seu velho ídolo num abraço apertado, longo e emocionado.
Pelé — E a bola de hoje, Mané? Tá pequenininha, né? Cada vez mais sinto saudade de você, daqueles dribles, do povo nos estádios que vibrava com tuas entortadas nos “Joões”.
Garrincha — Olha, crioulo, eu sou instrutor da Legião Brasileira de Assistência e trabalho com 500 garotos, mas não aparece nenhum “tortinho” disposto a brincar na ponta.
Pelé — Cada vez vejo menos habilidade no jogador brasiileiro.
Garrincha — A pelada está perdendo espaço, só tem garotos jogando em campos cercados. Cadê o moleque de pé no chão batendo bola em terra dura? Todo mundo põe a culpa na retranca, mas continuabolando esquemas cada vez mais fechados. Parece saudosismo, mas na Copa de 1958 também éramos muito marcados.
Pelé — Pois é, eu era um garoto de 17 anos, mas tinha gente boa fazendo a minha cabeça. Aliás, você lembra por que o Paulo Amaral (preparador físico) acabou com as corridas depois dos treinos?
Garrincha — Claro, o pessoal corria até o lago não para melhorar o preparador físico, mas para ver as garotas tomando banho nuas. Daí o Paulo Amaral proibiu a corrida, e o remédio foi aturar você tocando violão.
Pelé — Tocar não é bem a palavra: eu batucava no violão. Garrincha — E já aprendeu? Lembro que o teu apelido era Nega Elisa, porque a gente te achava parecido com a torcedora-símbolo do Corinthians.
Pelé — Tocar eu ainda não toco, mas componho mais ou menos
Garrincha — Já ouvi o Jair Rodrigues cantando uma música tua. Pega o violão e mostra aí, que eu te acompanho no cavaquinho (e simula dedilhando um instrumento de brinquedo).
Pelé — Bons tempos…
Garrincha — Na Copa de 1962 foi uma pena você ter se machucado. Eu dei sorte, fiz gols… Mas jamais vou esquecer da partida contra os russos em 1958.
Pelé — Foi a primeira partida que disputamos juntos. Era a estreia de nós dois na Copa e vencemos por 2 a 0, dois gols do Vavá. Você enlouqueceu os russos. Logo na primeira bola, entortou três.
Garrincha — Nunca te perguntaram se hoje conseguiríamos jogar da mesma maneira que jogávamos há dez, quinze anos?
Pelé — Me perguntam a toda hora.
Garrincha — Acho que não teria nenhuma diferença.
(Publicado em 19 de novembro de 1982)