Alegria, trabalho e fé: os 100 anos de Francisco
Pioneiro de Pinhais, Francisco Moreira dos Santos construiu um legado inspirador, que compartilha feliz aos filhos, netos e bisnetos; e hoje (26), Dia do Avô, com a gente
Quem mora na região da antiga Vila Tarumã – para ser mais exato, no bairro Estância Pinhais –, muito provavelmente conhece o senhor Francisco Moreira dos Santos.
Pioneiro da cidade, chegou aqui em 1971, com a esposa, Isaurina Augusta de Lima dos Santos, e seus oito filhos. Em 2023, o veterano comemorou 100 anos de vida – uma vasta e inspiradora história que hoje conta, com saúde, a quem puder ouvir, e aos 12 netos e 20 bisnetos para os quais é exemplo.
Nascido em 22 de abril de 1923 em Mercês de Araçaí, distrito de Diamantina-MG, foi no interior do Paraná que a família começou a crescer, vivendo do trabalho na roça.
Lenita, a mais velha das filhas mulheres, conta: “O pai tinha uma chácara em Pérola do Oeste-PR, onde criou quatro filhos, na roça.
Outros quatro nasceram lá, mas vieram ainda jovens para Pinhais, depois que ele vendeu a propriedade.” Aqui, então com 48 anos, Francisco abriu uma fábrica de doces.
Mas ele lembra que não foi fácil: “Quando eu mudei pra cá, aluguei um terreno com uma casinha em cima.” Bom negociador, firmou com o então proprietário a compra do local, oferecendo uma modesta quantia como entrada.
Bom investidor, comprou outro terreno, onde montou a fábrica de doces. “Fazia queijadinha e cocada”, lembra, com uma vibrante gargalhada, do tempo quando produzia os doces.
Sem saber prever o futuro, não pôde continuar a empreitada no ramo. Reinventou-se como servente de pedreiro. Foi quando reconstruiu a casa, com a ajuda dos filhos. “Nós morávamos aqui numa casinha de madeira, quando começava a chover, a enchente entrava e batia aqui nas pernas [aponta]. Depois, eu falei: sabe de uma coisa, vamos construir uma casinha aqui. Compramos o material e a construímos.”
Servente de pedreiro, e de sua fé, Francisco pregou por 10 anos como pastor evangélico.
Nesse período, sem condições de pagar pelo ônibus, ia a pé de sua casa até a Cidade Industrial de Curitiba (CIC) para realizar cultos. Para além da vocação, a fé também foi a condução de Francisco, que se tornou viúvo ainda moço.
“Eu só tive uma esposa, não casei mais. Já vão 32 anos. Até apareceu mulher, mas falei não, casamento é um só”, consente.
Cuidando de quem sempre cuidou
A filha Lenita conta que a idade não impediu seu Francisco de manter a sua privacidade, e cultivar novos hábitos.
“Na hora do banho, tem que fechar a porta. Ele sai com a toalha nas costas, amarrada na cintura. Circula na casa sozinho, com o andador, e gosta de ficar sentadinho no quarto dele, observando a rua”, conta.
Com todas as adaptações de acessibilidade, e depois da reconstrução, a casa foi preparada para enfrentar também enchentes, em um tempo onde a família não imaginou presenciar a chegada do asfalto.
“Aqui era um barral só. Quando o rio enchia, a água vinha até aqui [aponta até os joelhos]. Então a gente levantou a casa e ficou boa. A gente nunca pensou que ia chegar asfalto aqui”, lembra Lenita.
“Hoje, a gente tem tudo aqui. Do tratamento de saúde com ele, e conosco. Eu não preciso levá-lo no posto. Eu vou lá, agendo, e o posto vem aqui atender (sic). É uma cidade que hoje eu posso dizer que é boa”, completa. Atendido pela USF Tarumã, seu Francisco recebe em casa atendimentos para exames de rotina, entre outras coisas “normais da idade”, como diz Lenita. “Agora estou acompanhando a questão do ouvido dele, que começou a ter baixa audição.”
A neta Taciane tem mais de 100 motivos para se orgulhar do avô: “É um orgulho ver ele chegar a essa idade, lúcido, conversando, com algumas limitações por conta da idade, mas bem. É ele quem une a família, todos os anos nos reunimos para comemorar mais um ano de seu aniversário e todo ano pensamos, será que vamos viver tanto tempo como ele? É para mim um exemplo de vida e de fé.”Do alto de sua grandiosa história, Francisco afirma: “O caso é comprido.” Para alcançar a longevidade, revela: “O segredo é a pessoa andar direito, andar certinho, não ser bagunceiro.” Por isso, hoje seu Francisco goza de boa saúde e, com o cuidado de uma afetuosa e presente família, também cuida da rua onde mora, por onde vê da janela de seu quarto todos que passam pelo portão da residência, exigindo de cada visitante o devido cumprimento. Feliz, ele descreve o momento atual da sua vida, seguida da famosa e contagiante gargalhada: “Hoje a vida tá boa, né. Porque, como se diz, é só comer e deitar!”