Passada uma década da popularização do Airbnb, um dos serviços de hospedagem alternativa mais usados no mundo, o mercado imobiliário convencional brasileiro assimila novos padrões de moradia que se consolidaram na pandemia. O crescimento dos chamados “nômades digitais” – que trabalham de forma remota de diferentes endereços -, originou novas demandas de locações de curta temporada e de compra de imóveis para aluguéis de alta rotatividade.
De acordo com o sócio e diretor da JBA Imóveis, Ilso Gonçalves, a expansão de negócios imobiliários fechados por intermédio de aplicativos e novidades como a moradia por assinatura não são uma ameaça às operações das imobiliárias tradicionais. Para ele, essas tendências de consumo, pelo contrário, representam novas oportunidades para os corretores. “Está claro que é um mercado em franca expansão e acompanhar esse movimento nos permite estreitar laços com proprietários e investidores. Se a demanda existe, buscamos opções para quem quer otimizar locações com contratos flexíveis, como apartamentos compactos para viajantes, por exemplo”, afirma.
A consultora de finanças Andrea Roscamp Kaminski é um exemplo de proprietária que decidiu investir em um imóvel para locações de alta rotatividade. Segundo ela, a estratégia de apostar nos inquilinos viajantes está funcionando. “Concluí que seria mais dispendioso alugar por mês, com contrato de dois anos ou mais, do que por temporada. Além disso, descobri que o risco de danos ao imóvel é menor com hóspedes temporários”, conta.
O apartamento de três quartos, com vaga de garagem, tem alta procura para aluguel de curto prazo. Recentemente promovida a superhost (super anfitriã) da plataforma Airbnb, a proprietária mantém o imóvel mobiliado e decorado. O cuidado com a manutenção e detalhes como a oferta de roupas de cama e banho de qualidade estão entre os segredos da anfitriã. “Já recebi uma família de Manaus que gostou tanto do apartamento que estendeu o tempo de permanência na cidade em função da acolhida”, lembra.
Além da atualização das ofertas para compra e venda, o aumento da procura por imóveis para aluguel de temporada também pode ser visto como oportunidade na área de locações para as imobiliárias convencionais, “O aluguel de curto prazo exige adaptações, mas diversifica nossas ofertas e nos aproxima de clientes que, no futuro, podem também alugar um imóvel por prazo maior. É uma possibilidade de ter um ganho a mais, de se reinventar e abraçar esse tipo de produto, que está em alta no mercado”, avalia o gerente geral de Locações da JBA, Lucas Delagnelo.
O crescimento das locações por temporada, antes quase restritas aos imóveis de veraneio, traz uma nova dinâmica contratual e operacional para os negócios das imobiliárias ao longo de todo o ano. Em geral, os contratos de aluguel por períodos inferiores a 90 dias são regidos pela própria lei do inquilinato (Lei nº 8.245/91), que tem artigos específicos voltados para a modalidade.
Na locação convencional, que prevê uma criteriosa análise de crédito, o cliente quase sempre visita o imóvel antes de firmar o compromisso de longo prazo. As chaves são retiradas na imobiliária, onde o inquilino assina o contrato e o relatório de vistoria. Também existe um seguro-fiança ou a necessidade de apresentação de um fiador. Já na dinâmica da locação por temporada, o cliente usualmente aluga o imóvel antes de chegar na cidade, sem um contrato formal e, sim, por concordância e aceite dos termos estabelecidos.
O acesso à unidade locada, na locação de curto prazo, pode ser feito por fechadura digital (QR Code ou senha) ou com a recepção de uma pessoa no momento da entrada no imóvel. A vistoria é simplificada, mediante discriminação de itens, o pagamento é antecipado e o sistema de gerenciamento da locação pode oferecer, inclusive, serviços complementares, como limpeza diária e informações turísticas, quase como na hospedagem na rede hoteleira.
Para que essa integração funcione, de acordo com Delagnelo, é preciso ter alguns cuidados. “Como as imobiliárias tendem a trabalhar com imóveis pulverizados pela cidade, esse formato de curta temporada exige um esforço caso a caso. É preciso se informar sobre o regimento interno do condomínio e até mesmo ter uma conversa prévia com o síndico, para se certificar de que é possível trabalhar com locação de temporada. O papel da imobiliária também é garantir que a rotatividade não gere desconforto e conflitos de interesses”, pondera.
Outro ponto importante da locação por curto período em multirresidenciais é o uso dos espaços compartilhados. É comum e razoável que esse inquilino tenha direito a fazer uso de vaga de garagem e que possa circular nas dependências do condomínio. Mas nem sempre a vizinhança aceita o compartilhamento de espaços como piscina, salão de festas, churrasqueira e academia com os viajantes. “A falta de clareza sobre o que é ou não permitido nos condomínios gera desentendimentos e até ações judiciais. Alguns condomínios não permitem o aluguel por temporada e isso precisa ser respeitado. Nos que permitem, o entendimento da Justiça, em geral, é que o inquilino não pode ser proibido de frequentar as áreas de uso comum. Por isso, tomamos vários cuidados antes de oferecer a opção de aluguel flexível, para evitar qualquer conflito”, complementa o CEO da JBA.
Além das locações de temporada, as moradias por assinatura também oferecem opções de aluguel por períodos bem flexíveis. O modelo, que está chegando a Curitiba por meio da startup Housi, deve impulsionar ainda mais as locações por curtos e médios prazos, com empreendimentos que estão sendo construídos exclusivamente para esse tipo de locação na capital. “São inovações que ampliam as opções para os investidores e otimizam o chamado uso social das propriedades, reduzindo o volume de imóveis ociosos na cidade e ampliando as fontes de renda dos proprietários”, conclui Gonçalves.
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