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Artigo: The day after

O título poderia ser “o dia seguinte”, mas foi em inglês para ser semelhante ao filme que chegou ao Brasil em 1984 em meio à Guerra Fria, mostrando a luta de moradores de uma pequena cidade do Kansas para sobreviver após um ataque nuclear. Obviamente que a comparação com o dia seguinte da nossa eleição é apenas no título, mas, apesar do apelo dramático ser menor, as incertezas são parecidas: o que será do Brasil nos próximos meses?

O candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, venceu o postulante do PL, Jair Messias Bolsonaro, por 50,90% contra 49,10% dos votos válidos. Além de ter sido a menor diferença da história, essa eleição guardou outras peculiaridades: foi a primeira vez que um presidente no exercício do cargo perdeu a reeleição ou, também de forma inédita, a abstenção no 2º turno foi menor do que a do 1º turno.

Lula terá pouco espaço para errar. Com o Congresso não alinhado com o Governo, para dizer o mínimo, o primeiro lugar em que Lula não pode errar é na economia, porque, com essa situação de inferioridade numérica na política, a última coisa que Lula vai querer é também ter o mercado contra.

Se o Presidente eleito quer reduzir as resistências do Congresso e do mercado, o primeiro passo será a escolha do ministro da Fazenda. Ao que parece, ele tem três escolhas na mesa: um economista do PT, um economista ligado ao mercado e um político do PT. Sem dúvida que, se o objetivo do Presidente é começar seu governo bem, a primeira opção seria, de longe, a pior. A boa notícia é que, ao que parece, Lula sabe disso, de modo que atribuímos apenas 10% de essa ser a escolha. Por outro lado, a segunda opção levaria o governo a uma lua de mel com o mercado, quebrando boa parte da resistência deste contra ele. Entretanto, apesar das especulações a respeito de nomes como de Henrique Meirelles pelas declarações do presidente eleito, essa não parece a opção com mais chance, por isso atribuímos 35% de probabilidade para essa escolha. Portanto, a escolha favorita seria a de um político do PT, com 55% de chance.

Feita a escolha do Ministro, o grande desafio inicial será equacionar o problema do Orçamento de 2023 e decidir o que fazer em relação ao Teto dos Gastos. Obviamente que tentar adivinhar o que cada tipo de escolha faria tornaria esse artigo muito longo e maçante, portanto vamos descrever um caminho que nos parece crível dado o que foi dito durante a campanha.

O primeiro passo, que já será dado na discussão a respeito do Orçamento do ano que vem entre o representante do Governo eleito, Wellington Dias, e o relator do Orçamento, Marcelo Castro, é o pedido de uma licença (waiver, no jargão do mercado) para estourar o Teto do Gastos de modo a acomodar as promessas de campanha. O instrumento para operacionalizar isso já tem até nome: “PEC da transição”. Mas qual seria o montante deste waiver?

Os números variam, mas acreditamos que algo ao redor de R$ 150 bilhões seria razoável, uma vez que esse montante seria suficiente para financiar várias promessas de campanha, como manter os R$ 600 do Auxílio Brasil, ou Bolsa Família, por exemplo. Muito mais que isso não seria bem recebido pelo mercado. Um detalhe importante: uma das principais promessas de campanha de Lula, o aumento real para o salário-mínimo, não precisa entrar nessa conta, porque, por obra do destino, já está previsto no Orçamento de 2023. Estranho? Nem tanto. O fato é que a projeção de inflação para o final de 2022, que reajusta o salário-mínimo em 2023, foi feita pelo Governo em agosto, quando mandou o Orçamento para o Congresso, e foi de 7,43% – enquanto isso, o último boletim Focus projeta 5,61%, ou seja, um aumento real de 1,82%.

O segundo passo e mais importante será decidir o que fazer com o Teto dos Gastos: acabar com ele? Remodelá-lo?

Como neste momento parece impossível dar uma resposta completa para essa questão, vamos montar uma estratégia que poderia ser usada pela equipe de Lula para passar os 100 primeiros dias do seu mandato em “lua de mel” com o mercado, independentemente do nome escolhido para o ministério da Fazenda e sem mexer nesse tema espinhoso.

Em um show de mágica, o mágico usa uma das mãos para entreter a plateia, enquanto usa a outra para fazer a “mágica”. Na nossa estratégia, a equipe econômica faria mais ou menos isso. Com o início do ano garantido pelo “waiver” obtido durante as discussões do final de 2022, o Governo diria que não precisaria discutir o novo arcabouço fiscal agora, o que certamente seria mal recebido pelo mercado. Mas o truque seria dizer que faria isso porque só após a aprovação das Reformas Tributária e Administrativa, que ele estaria enviando ao Congresso, é que ele teria um cenário mais claro das contas públicas para traçar a nova estratégia.

Teoricamente, essa combinação não seria bem-aceita se Bernard Appy, autor da PEC 45, que está na Câmara e é considerada a melhor Reforma Tributária possível entre 9 entre 10 economistas, não fosse fazer parte do Governo. Do mesmo modo, a história da Reforma Administrativa poderia ser da “carochinha” se não tivesse sido abraçada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. Se a “mágica” funcionar, não só a “lua de mel” com o mercado estará garantida, como o Governo ganhará tempo para pensar o que fazer com o Teto dos Gastos.

Ao contrário do filme, “o dia seguinte” do Brasil não precisa necessariamente ser ruim, apesar da polarização da população. Uma equipe econômica bem montada e uma estratégia bem executada para deixar os temas econômicos espinhosos mais para frente garantiriam uma “lua de mel” com os mercados no início do mandato, podendo levar a um círculo virtuoso na economia, em que a entrada de recursos estrangeiros apreciariam o real em relação ao dólar, derrubando a inflação, permitindo a antecipação da redução das taxas de juros, levando o Brasil a um período de crescimento mais sustentado, trazendo mais investimento para o País.Pode parecer muito otimista, mas, se a estratégia nos parece realista, o resultado dela também pode ser.

*Luis Otavio Leal é economista-chefe do Banco Alfa

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