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Relatório Econômico Mensal Janeiro/2024

O começo do ano é um momento propício para fazermos uma análise conjuntural da economia doméstica e mapear a evolução dos principais determinantes para a condução da política monetária.

Apesar da volatilidade dos mercados durante o segundo semestre, mantivemos nossa projeção de Selic inalterada desde o início do ciclo de cortes em agosto do ano passado, antevendo reduções de 50 pontos base por reunião até a taxa terminal de 9,25% (que deverá ser atingida em julho deste ano). Seguimos com o mesmo cenário, com os riscos pendendo neste momento para um ciclo de cortes mais extenso ou então mais acelerado.

O primeiro fator a ser discutido quando consideramos a política monetária é a dinâmica da inflação realizada. Tendo em vista as características da economia brasileira, costuma-se segmentar as contribuições dos preços administrados e dos preços livres. Administrados são os itens que são regulados pelo governo, como energia elétrica, transporte público e combustíveis, e são, portanto, insensíveis ao ciclo econômico e à política monetária. Já os preços livres são tradicionalmente divididos entre alimentação no domicílio, bens industriais e serviços.

A primeira destas subdivisões é notadamente acíclica e depende fortemente de fatores climáticos. Ainda assim, a trajetória em 2023 foi de ampla desaceleração em sua taxa de crescimento, abandonando o patamar de dois dígitos que prevaleceu durante o ano de 2022 (na variação em 12 meses) e apresentando variação negativa durante os últimos meses do ano.

O grupo dos bens industriais foi o grande vilão da aceleração inflacionária decorrente da ruptura das cadeias logísticas durante a pandemia. Em 2023, tiveram um comportamento espelhado de desaceleração e estão, atualmente, em patamar que seria consistente com os momentos mais fracos de inflação do componente durante o ciclo que perdurou até o começo de 2020.
Cabe destacar aqui o papel do dólar e das commodities, ambos componentes relevantes para esta abertura da inflação. As commodities em dólar apresentaram forte retração desde o início de 2022. Se excluirmos as commodities alimentícias, o índice de commodities compilado pela Bloomberg apresentou variação de -4,9% em dólares durante 2023. Somando-se a apreciação de mais de 8% do real contra o dólar durante o mesmo período, termos um efeito substancial de desinflação dos bens industriais para o IPCA agregado.

Em relação aos serviços o cenário inflacionário é menos claro. Por um lado, houve clara desaceleração da abertura durante o ano de 2023. Por outro, seus determinantes (notadamente o mercado de trabalho) suscitam preocupação. Ou seja, ainda não se pode afirmar de forma taxativa que o componente evoluirá de forma consistente em direção a um patamar compatível com a meta de inflação.

Assim, a depender somente deste último componente, não seria possível para o Banco Central declarar vitória sobre a dinâmica inflacionária. No entanto, dado que a meta da autoridade monetária é referente à inflação cheia e que os outros dois componentes dos preços livres (alimentação no domicílio e bens industriais) estão contribuindo amplamente para a desinflação, o Banco Central ganha tempo para analisar o comportamento da categoria serviços.

Outras formas de agregação dos componentes do IPCA corroboram este diagnóstico. Se analisarmos, por exemplo, a dinâmica dos itens livres comercializáveis versus os livres não-comercializáveis, veremos que a dinâmica do primeiro grupo é benigna e se encontra em patamar negativo nos últimos meses. Com isso, estes itens compensam o comportamento resiliente dos não-comercializáveis. Dado que nosso cenário base não contempla uma rápida depreciação do Real, acreditamos que esta configuração seguirá válida para o ano de 2024, o que por sua vez confere tranquilidade para o Copom.

Outro fator a ser considerado pelo Banco Central na condução da política monetária é a dinâmica da atividade e do hiato do produto, que está correlacionado com o mercado de trabalho e, portanto, impacta a inflação de serviços (como mencionado acima). Neste sentido, o ano foi de surpresas positivas.

O PIB do primeiro trimestre surpreendeu amplamente por conta do avanço do setor agropecuário. O segundo e o terceiro trimestre mostraram desaceleração, mas ainda não se registrou variação negativa da atividade e, portanto, ainda não temos um ambiente recessivo doméstico. O que chama atenção é que, apesar da desaceleração da atividade na margem, o mercado de trabalho permanece resiliente, com a taxa de desocupação em patamar que é amplamente entendido como abaixo de seu nível de equilíbrio.

Por sua vez, o hiato do produto foi seguidamente revisado para cima e teve a trajetória de reabertura postergada pelo Banco Central. Ou seja, a autoridade monetária vê que, no curto prazo, a atividade não será um contribuidor expressivo para o processo de desinflação. Ao mesmo tempo, dado que a economia está de fato desacelerando, não parece ser daqui que virá um incremento nos riscos inflacionários.

O que foi inequivocamente positivo para a conjuntura doméstica foi a evolução do cenário internacional durante o último bimestre de 2023. A economia dos EUA apresentou um processo de desinflação razoavelmente robusto nos últimos meses apesar da taxa de desemprego permanecer baixa e a atividade forte.

Assim, a perspectiva de um pouso suave foi adotada pelo FOMC e devidamente incorporada no mercado financeiro. Na última semana de 2023, o mercado precificava como praticamente certo o início do ciclo de cortes de juros nos EUA para março/24 e antevê um total de 150 pontos base de redução durante o ano.

O efeito líquido disso é uma ampla descompressão nos ativos de risco a nível global e forte fechamento da curva de juros nos EUA. Com impacto direto sobre a dinâmica dos ativos de risco em economias emergentes, o juro de dez anos dos EUA saiu do patamar de 5% em meados de outubro para abaixo de 3,90% ao final de dezembro. Ou seja, uma reorientação relevante dos preços de mercado na principal economia global.

A tendência é que a redução dos juros nos EUA alivie também a pressão sobre os bancos centrais no restante do mundo. Tudo mais constante, se as autoridades monetárias não acompanharem o ritmo de cortes do FED, elas estarão deixando a sua própria política monetária passivamente mais restritiva.

Há riscos evidentes neste componente do cenário global. Os principais, já destacados em relatórios anteriores, são um novo choque de oferta ou uma reaceleração da atividade que eleve novamente os riscos ao ambiente inflacionário. Outro elemento relevante no debate são os riscos associados à política fiscal nos EUA e a condução das emissões do tesouro em um ambiente de déficit recorrente elevado.

Isto ganha uma dimensão de preocupação adicional por conta do calendário eleitoral de 2024 e a aparente falta de discussão sobre medidas que possam reverter a trajetória de elevação do endividamento dos EUA em relação ao seu PIB.

Domesticamente, preocupa a persistência das expectativas de inflação em horizontes longos acima da meta de inflação. Para vértices mais distantes, (além do intervalo de 24 a 36 meses), fatores conjunturais como a inflação realizada, a atividade econômica, ou o ambiente externo têm pouca ou nenhuma relevância. Nestes vértices longos, o que importa de fato são as características estruturais da economia. O fato de as expectativas estarem elevadas em relação à meta é, portanto, a sinalização de uma preocupação estrutural com o Brasil.

Neste sentido, a questão fiscal aparece como grande elemento de desequilíbrio. O ajuste promovido pelo governo é focado essencialmente em um aumento de arrecadação, ao passo que os gastos seguem em trajetória ascendente. Na medida em que a arrecadação surpreende negativamente (algo que deve se intensificar durante o ano que vem), é razoável antecipar que a meta de déficit zero não será atingida.

Ou seja, o prêmio da política fiscal pesa sobre as expectativas longas de inflação no Brasil, impondo um custo maior de financiamento da dívida pública e forçando, tudo o mais constante, o juro neutro para cima.

De toda forma, ante a perspectiva (i) de rápida redução dos juros nos EUA e (ii) o fato de o risco fiscal em outas economias (desenvolvidas e emergentes) ser desafiador também, faz com que este último elemento da conjuntura tenha um peso menor frente a precificação da política monetária à frente.

Evidentemente, cabe a ressalva de que um aumento no risco percebido em tono da questão fiscal pode levar a uma rápida reprecificação da curva de juros, como já vimos diversas vezes no passado recente, o que sem dúvida manterá este fator como risco a ser observado durante os próximos anos.

Ou seja, a inflação realizada, a atividade econômica, o ambiente externo e as expectativas de inflação curtas sugerem que há espaço para a autoridade monetária prosseguir em seu ciclo de cortes de juros. Por outro lado, o risco fiscal e as expectativas de inflação longas ainda desancoradas sugerem algum benefício em ser cauteloso na condução dos cortes.

Logo, mantemos o cenário base de que o Copom siga no ciclo de cortes de 50 pontos base por reunião, chegando à taxa terminal de 9,25% em sua reunião de julho. Considerando-se um juro real neutro da ordem de 5,0-5,5% e a meta de inflação de 3%, esta taxa ainda representaria algum grau residual de aperto monetário ante a incerteza no ambiente fiscal e nas expectativas de inflação longa.

Em se mantendo a conjuntura, uma redução dos riscos fiscais, uma redução das expectativas longas de inflação ou uma apreciação substancial do Real poderiam levar a uma revisão seja da extensão, seja da intensidade do ciclo de corte de juros.

Considerando-se que a volatilidade de conjuntura macroeconômica no ano passado foi elevada, e que não deve ser reduzida no curto prazo (porque há fatores relevantes do cenário ainda excessivamente incertos), seria mais prudente que o Banco Central seguisse optando por cautela. Logo, caso se apresente a discussão de intensidade e extensão do ciclo de cortes, acreditamos que o segundo seja mais provável do que o primeiro.

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