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A visão corporativa e o paradoxo do protagonismo do Brasil na COP 28

Por Marta Dourado*

De um lado, um país que é sede da maior floresta do mundo, figura como um dos maiores produtores globais de alimentos e possui uma das maiores e mais complexas biodiversidades do planeta. De outro, neste mesmo país, 91% das empresas nunca estiveram presentes a uma Conferência das Partes (COP), da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). E apenas 22% pretendiam participar de alguma forma da COP 28, em Dubai, sendo 18% apenas como ouvintes.

Os dados, surpreendentes, fazem parte da pesquisa “Na Trilha da COP 28”, realizada pela Fundamento Análises, unidade de Business Intelligence da Fundamento Grupo de Comunicação. Foram ouvidos quase 450 executivos atuantes em ESG (Environmental, Social and Governance) de empresas sediadas no Brasil, entre 09 de outubro e 09 de novembro. Em seu conjunto, os resultados apontam que o engajamento das corporações com as questões climáticas ainda está longe do ideal, ao mesmo tempo em que se espera que soluções efetivas surjam apenas da articulação governamental.

O primeiro dado dessa pesquisa inédita surpreende e preocupa: embora todos os participantes atuem na área de ESG, sustentabilidade e departamentos correlatos, mais de 130 executivos não conseguiram preencher completamente o questionário proposto. As dificuldades surgiram justamente quando se investiga qual a visão estratégica da corporação para enfrentar os impactos do aquecimento global, como pretende colaborar com os debates mundiais e como estão se planejamento para adequar suas atividades, em um cenário que prevê um grande conflito, em curto prazo, entre a sobrevivência do planeta e o modo atual de se buscar lucratividade empresarial.

Entre os 70% que conseguiram preencher totalmente a pesquisa, considerados para o relatório final de resultados, 48% esperam ter que adequar suas operações a possíveis deliberações da COP 28. Entre estes, 44% acreditam que terão que aprimorar sua estratégia ESG, 17% esperam determinações e metas mais rigorosas para a redução nas emissões de Gases de Efeito Estufa e maior eficiência energética, e 15% preveem novas regulamentações.

É um cenário que denota claramente um descolamento entre a necessidade de reconhecer que, como empresa e importante agente de influência e transformação na sociedade, existe um papel fundamental de liderar as mudanças urgentes, e um comportamento passivo, talvez até com certo traço cultural, de ter que ser obrigado, por meio de legislações, a operar de maneira ambientalmente responsável.

ESG e lucro, a convivência possível?

Desde a Rio-92, quando o conceito de sustentabilidade ganhou maior relevância no Brasil, pouco tempo se passou. Pouco mais de 30 anos. É pouco sim, quando estamos falando de mudanças sociais e econômicas profundas. E certamente já tivemos uma série de avanços em termos que adequações ambientais, mesmo em se tratando de um país em desenvolvimento. A história mostra que o Brasil tem todas as condições de liderar movimentos importantes nesse tema. É preciso lembrar que foi um dois pioneiros em energia limpa, com o uso do etanol em substituição à gasolina nos automóveis. Não sem outra razão, é considerado um dos mercados mais promissores em novas frentes, como o hidrogênio verde.

Mas já é tempo do ESG sair apenas dos títulos dos cargos, restrito a departamentos, e virar um modo de atuação que abranja toda a corporação e, em última instância, garanta sua sobrevivência em um futuro em que o lucro advirá de fazer a coisa certa. Alguns dos entrevistados apontaram a necessidade de promoção de uma nova cultura de preservação entre a população para que medidas globais se concretizem. Ora, as empresas são compostas por pessoas. Na amostra da pesquisa, 61% das companhias são de médio e grande porte, faturando milhões de reais e empregando milhares de colaboradores. Qual o melhor jeito de começar essa transformação do que trabalhar para conscientizar primeiro seu próprio público interno? Certamente já teria um efeito multiplicador.

É interessante ainda observar que 78% dos executivos ouvidos possuem uma expectativa positiva em relação ao papel do Brasil na COP 28. Acreditam que o país, por sua representatividade ambiental e pelo atual governo mais atento a essas questões, tem toda a condição de ser protagonista nas articulações. Mas não é razoável esperar que apenas um ator social consiga promover resultados concretos e sustentáveis. As corporações precisam urgentemente se engajar de verdade nesse desafio. E podem começar pelo planejamento e participação efetiva na COP 30, que acontece em 2025 no Brasil.

A pesquisa apontou que somente 25% das empresas devem participar da COP 30, número apenas ligeiramente maior do que a COP 28, sendo que apenas 13% delas pretende atuar como palestrante ou patrocinadora. Vamos torcer para que aquela parcela de 55% das companhias que ainda não sabem se estarão na conferência da que o país sediará, em face dos reais impactos das mudanças climáticas e seus prejuízos materiais e humanos, se mobilizem de fato em torno do tema até lá. Impulsionados não só pelas deliberações da COP 28 e COP 29, mas sobretudo com os olhos abertos e a atuação consciente para uma situação que é urgente e demanda compromisso coletivo e permanente.
*Marta Dourado é CEO e fundadora da Fundamento Grupo de Comunicação

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