Vereador Herivelto Oliveira escreve texto com rara sensibilidade para destacar a vida da mãe

Dona Maria Antonia terminou no dia 15 de fevereiro seu tempo neste mundo, uma história que começou em 1930 no sul de Minas. A mãe biológica entregou Maria e seus quatro irmãos ainda crianças para serem criados por famílias diferentes. Não tinha condições físicas, nem mentais, nem econômicas para ficar com eles.
De Angustura a família que ficou com Maria Antônia se mudou para o norte do Paraná, ainda naquela década. Ela ajudou a criar os 14 irmãos, trabalhou na lavoura, não conseguiu fazer nem o primário, mas tocou a vida. Casou-se aos 22 anos com José, teve o primeiro filho, José Maria, com uma síndrome que, segundo os médicos lhe permitiria viver só até um ano de idade. O casal não aceitou o diagnóstico e veio pra Curitiba. Se a vida na roça já era difícil, imagine numa cidade grande, sem conhecimento nenhum. O amor de mãe manteve a vida de José Maria até os 57 anos. Maria Antonia ainda teve que buscar tratamento para o marido que era epilético, e passou pela terrível experiência de perder dois filhos ainda bebês. Outros dois, Herivelto e Haroldo completaram a família. Pobres, sim, mas os pais entendiam que estudar era importante e deram a eles as condições para aprender. Dona Maria costurava para completar o orçamento da família. As roupas de qualidade que fazia garantiram a clientela no bairro Ahú, e também a tornaram conhecida dos vizinhos. Neste bairro, onde morou a maior parte da vida, começou numa casa dividida, nos fundos do terreno, onde a família ocupava três peças. A situação financeira difícil fazia muitas vezes um único ovo virar mistura para todos, e não raro Dona Maria abria mão de sua parte para aumentar a dos filhos.
Eletricista, encanadora, carpinteira, pintora… não era raro encontrar essa mulher fazendo reparos na casa, em cima de banquinhos ou escadas de madeira precárias.
Chorar, reclamar, não era com ela. Pelo contrário. Passava os dias, que começavam às cinco da manhã, cantando músicas populares ou hinos de igreja. Era devotíssima de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a quem pedia sempre pela nossa saúde.
Bem devagar, a situação melhorou um pouco e a família alugou a casa inteira. Quando os filhos começaram a ganhar dinheiro se mudaram para a casa da frente, ainda de aluguel.
Aos 60 anos com a ajuda de uma das irmãs adotivas localizou sua família biológica: os quatro irmãos viviam na região metropolitana do Rio de Janeiro e em Juiz de Fora. Foi uma alegria indescritível encontrar seus irmãos e sobrinhos negros e reconhecer neles os traços familiares. Ficou uma semana em visita e também os recebeu em Curitiba. Trocaram cartas nos anos seguintes. Já com mais de 70 anos ganhou uma casa dos filhos no bairro Tarumã, onde ampliou sua rede de amizades. Maria Antonia perdeu o filho mais velho e o marido num intervalo de um ano e um pouco dela também se foi. Apesar de ainda muito ativa, reclamava diariamente da saudade. Nos últimos anos a memória e o corpo da Dona Maria foram definhando. Ela partiu em paz, dormindo aos 91 anos, com a missão cumprida. Herivelto é jornalista e vereador em Curitiba. O irmão Haroldo tem uma empresa de software para a área médica. Filhos eternamente gratos pelo tempo que tiveram com a mãe e pelos ensinamentos que receberam dela.