Fragmentação de biomas pode colocar pequenos mamíferos em rota de extinção nos Campos Gerais
Os ecossistemas dos planaltos paranaenses vêm sofrendo com os impactos trazidos pelas atividades humanas na região. Rodovias, estradas, bairros e outras intervenções acabam ameaçando a diversidade de espécies presente nesses locais, diminuindo seus espaços.
Mesmo nas áreas rurais, o impacto da agricultura convencional é muito elevado, com a progressiva substituição da paisagem natural para dar lugar a pastagens, monocultivos e plantios comerciais de pinus e eucaliptos.
Uma equipe multidisciplinar de pesquisadores se debruçou sobre os efeitos dessa intervenção nas comunidades de pequenos mamíferos dessa região.
O estudo faz parte do projeto “Mamíferos do Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas e do Parque Nacional dos Campos Gerais: uma análise comparativa sobre a composição taxonômica, comunidades, zoonoses, genética e conservação” (Promasto) e envolveu as universidades federais do Paraná (UFPR) e do Rio de Janeiro (UFRJ), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Federal Goiano (IFG).
Desde 2018, o grupo realiza excursões científicas em duas unidades de conservação da região, o Parque Nacional dos Campos Gerais e o Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas e seu entorno.
O monitoramento, que identificou 32 espécies dentre as quais uma ameaçada de extinção, constatou que os animais sofrem com a fragmentação de seu habitat, trazendo diversos problemas como a endogamia e a falta de recursos.
“Notavelmente os grupos de animais vertebrados são sensíveis aos efeitos da fragmentação, que impõem restrições à permanência de espécies devido à limitação da área de vida, efeitos de borda, escassez de recursos e restrição à dispersão provocada pela matriz circundante”, destacou Liliani Tiepolo, pesquisadora do Laboratório de Análise e Monitoramento da Mata Atlântica, do Setor Litoral da UFPR, e coordenadora da pesquisa.
Espécie ameaçada de extinção está entre as 32 encontradas
Para este trabalho, são realizadas coletas de material biológico em diversos locais no interior e na zona de amortecimento das Unidades de Conservação. Espécimes de pequenos roedores e marsupiais são coletados por meio de armadilhas. Para a captura de morcegos, são utilizadas redes de neblina armadas ao longo de trilhas e realizadas buscas ativas em ocos de árvores e cavidades naturais de rochas.
Em quatro excursões a equipe identificou 32 espécies de pequenos mamíferos, sendo quinze espécies de morcegos, doze espécies de pequenos roedores e cinco de marsupiais.
Algumas são endêmicas do bioma Mata Atlântica como o rato-do-mato Euryoryzomys russatus e o marsupial Philander quica, outras são endêmicas dos ambientes campestres do bioma, como o rato-focinhudo, Oxymycterus nasutus, e o morcego Histiotus montanus.
O projeto também identificou algumas espécies raras e novas ocorrências para a região, como o rato-das-árvores, Juliomys ossitenuis, e os morcegos Lasiurus blosevillii e Chrotopterus auritus, este conhecido como morcego-orelhudo, que é ameaçado de extinção, considerado uma das maiores espécies de morcego do Brasil, chegando a ter 57 centímetros de envergadura de asa e quase 100 gramas de peso.
A presença destas espécies raras, endêmicas e ameaçadas evidencia a importância destas unidades de conservação como áreas de refúgio de habitats naturais para a fauna, lembra o pesquisador da Fiocruz, Ricardo Moratelli, especialista em quirópteros e membro da equipe.
Estudo busca embasar ações para uma melhor gestão de áreas protegidas
O objetivo da pesquisa é apresentar aos gestores das unidades de conservação um diagnóstico detalhado e interdisciplinar das comunidades de pequenos mamíferos que ocorrem na região, considerando seus aspectos ecológicos, biogeográficos e genéticos, visando subsidiar ações de conservação para a fauna e para as áreas protegidas no contexto regional. O projeto está focado também em ampliar o conhecimento sobre a distribuição geográfica das espécies e zoonoses como o hantavírus, em uma região pouco investigada no estado do Paraná.
O risco de zooneses transmitidas pelos animais foi abordado no estudo, especialmente a detecção do hantavírus, vírus do gênero Orthohantavirus da família Hantaviridae, ordem Bunyavirale que causa a Síndrome Pulmonar por Hantavírus (SPH).
A transmissão aos seres humanos ocorre principalmente por meio de inalação de aerossóis gerados a partir de urina de roedores infectados e geralmente se dá no meio rural. Quando em contato com humanos, o vírus pode causar a SPH, uma imunopatologia de rápida progressão que se inicia com uma febre moderada podendo evoluir para edema pulmonar não cardiogênico e choque.