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Cidadania

Câmara Municipal de Curitiba debate pedofilia infantil

 

Segundo dados do Governo Federal, de janeiro a dezembro de 2021, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos registrou mais de 314 mil denúncias de violência contra vulneráveis – número que considera apenas os registros do Disque 100 e do Disque 180 e representa apenas 20% dos casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes do país.

Esse levantamento aterrador pautou uma audiência pública da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), promovida no Palácio Rio Branco.

Com o tema “As Crianças Invisíveis do Século XXI”, o debate marca as ações do mês Maio Laranja, dedicado à Campanha de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes – cujo dia nacional de enfrentamento é realizado, anualmente, em 18 de maio.

A data foi instituída em 2000 pela lei federal 9.970/2000 e é alusiva à morte da menina Araceli, que aos 8 anos foi drogada, estuprada e morta por jovens de classe média alta, no dia 18 de maio de 1973, em Vitória (ES).

A propositora da audiência pública foi a vereadora Sargento Tânia Guerreiro (União), subtenente reformada da Polícia Militar, que atua há 31 anos no combate à pedofilia .

Ela destacou que as 314 mil denúncias registradas em 2021 estão aquém da realidade: “ficou fora disso [do levantamento] o número 181, os conselhos tutelares e o 190”. Mesmo essas 314 mil denúncias, são [apenas] 20% do que ocorre dentro dos lares, entre quatro paredes e debaixo dos lençóis. Isso nos deixa muito entristecidos. E quanto mais voz dermos a essas crianças, melhor será”, alertou.

Para tratar da importância do combate à pedofilia e aos crimes relacionados – como o tráfico de pessoas, por exemplo – a parlamentar convidou especialistas no assunto e pessoas que militam na causa, como a ex-nadadora olímpica, Joanna Maranhão.

Vítima de abuso sexual quando tinha apenas 9 anos – o abusador era seu treinador, à época –, ela conseguiu denunciar a violência que sofreu na infância em 2008, aos 21 anos. Hoje, atua na ONG Infância Livre, fundada por ela mesma com o objetivo de prevenir e combater a pedofilia.

A ex-atleta alerta que casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes acontecem pelo país o tempo inteiro e em todos os lugares.

“Não tem espectro político, religião e esporte onde há alguma área isenta. É preciso unir forças e continuar agindo”, reforça.

Joanna Maranhão mora na Bélgica com a família, onde finaliza sua dissertação de mestrado sobre a violência que os atletas de rendimento do Brasil sofrem.

De acordo com a sua pesquisa, a violência sexual foi vivenciada por 60% das pessoas que participaram dela.

“É muita coisa, é muito alto. O Brasil é um país imenso, de dimensões continentais e a gente não vai conseguir sozinho. Eu tenho que ter a minha militância junto com a sua, de quem está falando aqui. A gente tem que ter políticas públicas, precisa de programas educativos voltados para cada faixa etária. A gente precisa de capacitação para as pessoas que vão ouvir as denúncias, para melhorar o sistema de registro de denúncias”, analisou.

Para a vereadora, o trauma vivenciado pela ex-nadadora olímpica representa o de centenas de crianças que são silenciadas em meio à dor e à violência.

Mesmo num mundo globalizado como o atual, onde tantas informações estão “na palma da mão e a um clique”, elas se tornam invisíveis.

“Temos que criar políticas públicas. Pensar nessas crianças que serão o futuro. O futuro está nas mãos dessas crianças e a pedofilia é a raiz de todos os problemas”, disse Tânia Guerreiro.

Pedofilia e tráfico de pessoas
Representantes da Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho (Sejuf), da Secretaria de Estado da Educação (SEED) e de entidades ligadas ao enfrentamento do abuso e da exploração sexual de menores também deram sua contribuição para o debate.

E o relato que mais chamou a atenção do público foi o de Silvia Xavier, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo no Paraná (NETP/PR), da Sejuf.

Segundo ela, o tráfico de pessoas começa dentro de casa, junto com pedofilia; algumas crianças e adolescentes atendidas por ela começam sua vida sexual aos 4, 6 anos de idade.

“[São crianças que] estavam dentro de casa, foram abusadas pelos seus pais, fugiram com a mãe e acabaram indo para um prostíbulo onde só conseguiam assistir na televisão a filmes pornográficos. São crianças que não conhecem números, letras e cores. Nunca brincaram com uma boneca. Nunca assistiram a qualquer tipo de desenho”, explicou.

Uma dessas vítimas, continuou a coordenadora do NETP/PR, de apenas 12 anos, foi encontrada com o corpo cheio de agulhas, aplicadas em rituais de magia negra.

“O único lugar do corpo que ela não tinha agulhas era na cabeça. Uma menina com corpo de mulher, totalmente desenvolvida, e que teve seu primeiro relacionamento como profissional do sexo aos 6 anos de idade. […] Infelizmente ela viu sua mãe sendo decapitada na frente dela e ela fugiu, após correr para um posto de gasolina, e pediu ajuda. […] Uma criança como essa só quer sobreviver”.

Para a convidada, o país tem a cultura do enfrentamento ao tráfico de drogas, mas precisa desenvolver a cultura do enfrentamento do tráfico de pessoas, pois se trata de um crime “invisível e velado”, que ocorre dentro das casas, com “nossos vizinhos, parentes e amigos”.

“Crianças que são traficadas chegam nas casas [de exploração sexual] ainda novas, sem saber informar o nome do pai ou da mãe; recebem hormônios para se desenvolverem; vendem drogas e álcool; trabalham para os traficantes; e passam fome. Elas saem daqui para qualquer lugar e, além de terem seus corpos violados, fazem trabalho infantil, são obrigadas a trabalhar como profissional do sexo e não têm nenhum tipo de regalia”, completa.

E se fosse seu filho?
Cerca de 90% dos casos de pedofilia ocorrem dentro dos lares; 67% deles têm como o abusador o padrasto da vítima.

“Pedofilia é a raiz de todos os problemas: uso de álcool e outros tipos de drogas, homicídio, furto, roubo, suicídio, depressão, casamentos desfeitos, mutilação, rendimento escolar zero, fuga de casa. […] A criança mais nova que eu atendi tinha 8 dias de vida. E eram os pais que abusavam. […] E se fosse seu filho? E se fosse seu neto? Seu afilhado? Seu irmão que estivesse sendo tocado? O que você faria? Você ficaria inerte ou também entraria conosco nessa luta? Essa luta não é só minha”, enfatizou a propositora da audiência pública.

Diretor do Departamento de Justiça e do Departamento dos Direitos Fundamentais e Cidadania da Sejuf, Silvio Jardim, caracterizou o abuso sexual infantil como “abominável, um desvio de comportamento, é uma aberração humana, difícil de imaginar”.

Ele defendeu, ainda, a necessidade de ações concretas de enfrentamento, como as realizadas pela Força Tarefa Infância Segura (Fortis), que envolve outras pastas do Estado, MPPR e sociedade civil organizada, no combate à pedofilia, através da integração de políticas públicas.

“Cuidar e proteger nossas crianças é dever e responsabilidade de todos nós”.

A preocupação com o abuso e a exploração sexual infantil, porém, vai além do ambiente familiar. Vinicius Mendonça Neiva, diretor geral da Secretaria de Educação do Paraná, disse que, após 2 anos de pandemia, com as crianças afastadas da sala de aula e do seu “primeiro anteparo de proteção”, todo cuidado é pouco.

“É na escola que começa a se identificar algumas alterações no comportamento das crianças que podem indicar algum tipo de violência. Muitas crianças voltaram diferentes para a sala de aula e isso exige um cuidado maior por parte do Estado”.

Conforme o gestor da SEED, atualmente a pasta adota um procedimento no qual, havendo algum indício de abuso dentro de uma das instituições de ensino, em até 48 horas o assediador é afastado de suas funções e é aberto um processo administrativo para proteger a vítima.

A secretaria ainda tem atuado com outros órgãos governamentais para proteger as crianças, a partir do compartilhamento de informações.

“Estamos preocupados em erradicar qualquer tipo de assédio, qualquer tipo de violência dentro da escola. Se a gente identificar algum indício, a gente tem um compromisso, dentro da rede de proteção, de compartilhar essas informações. Esse é um tema que a gente leva muito a sério. Assédio não é brincadeira. A gente não tolera”, completou.

Também participaram do debate o vereador Pastor Marciano Alves (Solidariedade), que também milita há 23 anos contra a pedofilia; e a pedagoga e especialista em psicopedagogia, Thanise Stein, autora do livro “Bailarinas também choram” – a obra é um alerta sobre a pedofilia e conta a história de três amigas bailarinas que se deparam com uma situação de abuso sexual e buscam ajuda de sua professora.

Lançamento de livro
No dia 24 de maio, Sargento Tânia Guerreiro vai lançar o livro “O que você não sabia sobre pedofilia”

Segundo ela, é um manual sobre pedofilia que traz orientações sobre como o pedófilo age, por que se sente atraído por crianças, quais são suas preferências e como os pais devem cuidar dos filhos para que eles não sejam abusados.

“Como essas crianças abusadas se comportam, como eles pedem socorro no comportamento, sem que verbalizem o que está acontecendo”, completa. A vereadora ainda é autora de outros quatro manuais, voltados especificamente a professores, policiais, pais e crianças.

Audiências públicas
A proposição de audiências públicas, cursos e seminários pelos vereadores depende da aprovação de requerimento em plenário, em votação simbólica. O objetivo da reunião com os cidadãos, órgãos e entidades públicas e civis é instruir matérias legislativas ou tratar de assuntos de interesse público.

Caso a atividade ocorra fora da CMC, a liberação de servidores cabe à Comissão Executiva – formada pelo presidente, o primeiro e o segundo-secretário da Casa.

No caso das comissões temporárias ou permanentes, a realização de audiências públicas, cursos ou seminários é deliberada pelo colegiado e despachada pelo presidente do Legislativo.

A exceção são as audiências públicas para a discussão das Diretrizes Orçamentárias (LDO), do Orçamento Anual (LOA) e do Plano Plurianual, conduzidas pela Comissão de Economia, Finanças e Fiscalização

Por se tratar de etapas legais para a tramitação dos projetos, sua realização não precisa passar pelo crivo dos membros do colegiado. Também cabe ao colegiado de Economia convocar as audiências quadrimestrais de prestação de contas da Prefeitura de Curitiba e da Câmara Municipal. À Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte compete a condução das audiências quadrimestrais para balanço do Sistema Único de Saúde (SUS) da capital. Ambas têm respaldo legal e independem de aprovação dos membros dos colegiados.

Clique aqui para saber mais sobre as audiências públicas já realizadas pela CMC em 2022.

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